Seja bem vindo ao Crie a ação já!

Seja uma poesia para acalentar a alma, seja uma música para enfurecer os ouvidos, sejam pinturas em muros para uma possível reflexão, seja uma muda de planta num canteiro de obras, seja qualquer ação que revele uma reação. Não importa se ela é pequena ou grande, qualquer mínima ação é necessaria para uma revolução. Espero que essa página cause discussão e movimentação, e que assim possamos soltar as armas de nossas almas e plantar flores em nossos canhões.

"O SER DO MUNDO É A ATIVIDADE."

Saudações

Revolução, amor!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

QUEM SABE ASSIM




Ilustração: Marcelo Henrique



Pedalar é um ato de saudade.
Todo saudoso (ou saudosista) sente falta de um tempo aonde chegar levava-se tempo. Não precisamos defender a bicicleta como escudo contra o trânsito. Não se trata disso. As magrelas correm por que livres. Impô-las amarras as desvirtuaria.
Pedalar se faz antes com o coração que com as pernas. É no ritmo ditado pelo peito que nos movemos junto à mágica da correia dentada.
A pulsação leve de quem sente saudade é frágil. Necessário é ter-se carinho com quem se alimenta de lembranças. Uma raiva desenfreada pode destruir tal coração. A violência da pressa assassina o ciclista. Descuidado, desatenção, destinação cronometrada: são todos sintomas dos inimigos de um ciclista.
Somos exercedores de um cíclico ato de lembranças passadas. Preferimos a época onde cair e se arranhar – ainda que gravemente – fazia parte inerente e inquestionável do aprendizado. Sentir dor, fraturar-se, oferecer a pele da face ao asfalto, eram entendidos – naturalizados. Assimilados. Você não abandonava sua magrela por isso. Talvez até a deixasse de canto uns dias. Quem sabe outro pedalasse nela, mas logo voltavam. E agora mais habilidosos, sábios e cientes sobre o que fazer. A luta continuaria.
Antes da urgência hermética de um ar condicionado ambulante, os casais de pedaladores já davam as mãos sob o sol e punham-se a si rir junto à queda da chuva. Era um espetáculo. Ante a queda do outro, aquele que ainda estava de pé corria a pôr a mão sob o queixo do ser ferido: ‘vai passar e vamos prosseguir’.
Havia menos perguntas e mais rotas a serem percorridas. Parece-me que pedalar ajuda na descoberta de novos caminhos. ‘que tal irmos por ali?’. Lagoa do katu, trilhas de maracanaú, subidas de maranguape, areais de sabiaguaba, morros até a chegada na prainha. Por lá ainda estão os rastros dos amantes marcados como pequenas formas geométricas dispostas na profundidade marcante de um fino pneu.
Com um grito empoeirado de quem ficou no armário vendo os carros passarem eu falo em nome das bicicletas: Fortaleza necessita de mais calma, coração e amor. Deve recordar dos dias dos enamorados sujos de barro ou banhados por partículas da cor do ébano emanadas do asfalto. Nem todas as flores morrem quando postas ao vento. Muitas se embelezam inda mais.
Antes das ciclovias, ciclofaixas e paraninfos, antes de mais cálculos, torres de vigília, adesivos e leis – melhor seria mais cuidado. Sobretudo atenção.
Nós estamos aqui e vamos continuar. Para cada um que desiste talvez outro volte, pois pedalar é movimento: é ir e é voltar. Pode-se rasgar nosso estado do Parambú à pancada do mar. Pode-se mesmo ir para bem longe, onde o sotaque é quase outra língua e a fronteira se avizinha. Se tiveres motivo para voltar, portanto vá. As marcas do teu fino pneu estarão te guiando. Sem pressa, como uma magrela, como um amante sentado na beira da pista.
Que a cidade de fortaleza não continue a passar por cima dos seus. E justo os que mais a observam – homens e mulheres no dia e na noite do exercício de pedalar (degustando nossa metrópole pedaço por pedaço. Sem buzinas, sem falar mal dela): o ato supremo da calma, ou até da velocidade suada. Não queremos sempre perfumes e mãos dadas sobre o estofado e volantes. Muitas vezes um guidão nos é suficiente. Pôr a amada no varão, levá-la para longe. Ou, melhor ainda – pedalar ao seu lado vendo os carros passando. Isso é confiança. Contra as tristes estatísticas, muitos se juntam para prosseguir no ciclo das bicicletas. Devemos ser vistos. De nada adiantará exclusivas vias muradas sem a presença do respeito. Sem o arranhar da lógica do sempre limpo, sempre caro, sempre cômodo, permaneceremos vistos tal a faixa da rua que nos cabe – marginalizados, exprimidos, deixados de lado como quem atrapalha, como quem não convêm, como quem não interessa mais.
Saibamos que se pode voltar. Sempre poder-se-á voltar. Vamos continuar girando, todavia mudando. Não precisamos ser Amsterdã (que, aliás, não me convenceu sobre o seu proceder ciclístico. Do contrário, foi-me o extremo do que temo: a bicicleta como um carro pequeno capaz de contornar ruelas e acelerar fundo: ciclistas como motoristas enfurecidos e donos da mobilidade urbana). Podemos ser essa rocha mesma: FORTALEZA, mas amansada pela cor pelo cheiro pelo sal e pelo líquido do mar. Somos – ou já o fomos – por vezes calmos. Há um sol forte lá em cima e nem por isso desistimos. Podemos encontrar uma forma de nos movermos melhor por nossas ruas e avenidas inchadas. E não digo pedalando. Falo: respeitando.



Texto: CASIMIRO ALBUQUERQUE